Creepy river at night
Há 29 anos eles caminhavam lado a lado, uma longa jornada que parecia ter passado em um “piscar de olhos”.
Nunca tinha sido muito fácil, mas na maior parte do caminho tinham sido felizes.
Começaram a caminhar achando que eram dois, mas logo se descobriram três, e o caminho de paixão e aventura se transformou em uma íngreme subida, cujo cume não se podia avistar. Mas estavam juntos, assustados, porém felizes.
Logo a subida já não parecia mais tão alta, e quem os viam admiravam-se deles, pois haviam transposto uma enorme montanha sem hesitação, e seguiam caminhando felizes.
Muitos foram os tropeços, dos dois, mas o presente que carregavam os animava e os fazia continuar caminhando juntos de mãos dadas.
O presente logo deixou o colo e começou a caminhar entre eles de mãos dadas.
O caminho então se tornou mais doce e os três seguiram, crescendo, aprendendo e conquistando.
Então, após um grande tropeço ela caiu em um rio, ele sem hesitar jogou-se na água para salvá-la, deixando a filha na margem em segurança, e a trouxe nos braços para fora d’água.
Houve outros tropeços de ambos, sustos, alegrias, pessoas se aproximaram e outras tantas se afastaram, mas seguiam juntos, os três, buscando encontrar um ritmo em que todos pudessem caminhar juntos.
Logo, a filha que estava no meio deles resolveu soltar as mãos deles e seguir caminhando hora ao lado de um, hora ao lado de outro.
Outros tropeços, hora um caia, hora o outro, mas sempre se levantavam e seguiam juntos.
Outros rios vieram, e ela novamente caiu neles, às vezes por más escolhas, outras por puro azar. Mas ele nunca a deixou pra trás, sempre a esperou, às vezes entrava junto, outras vezes esperava na margem.
Agora já não eram mais apenas três, a mão da filha que estava livre achou uma mão para segurar e então se tornaram quatro. Ele não gostou, mas seguiu e confiou. Aquele não era um bom momento, ele dizia.
Tão suave como chegou, partiu, levando o tesouro deles para trilharem juntos o próprio caminho. Agora como da primeira vez eram apenas os dois, a admirar lado a lado o caminho da filha e do genro que se iniciava.
Então um grande rio apareceu, ele não caiu, mas foi jogado bem no meio dele.
Suas águas turvas e agitadas o levaram para o fundo, instintivamente ele buscou a superfície e olhou para a margem em busca de socorro, e ela já não estava mais lá.
Seguiu caminhando sem olhar para trás, dizendo apenas para que ele não se preocupasse, pois era um homem de fé e muito forte, ele daria um jeito.
Apesar da fé, o desespero o encontrou, e no meio das águas turvas gritou por socorro.
A companheira de tantos anos continuou caminhando inabalada, mas a filha, ao ouvi-lo, sem hesitar um segundo jogou-se no rio, logo em seguida seu companheiro de caminhada fez o mesmo.
Outras pessoas se aproximaram da margem para ajudar, e ele pôde então reconhecer o amor e a indiferença.
Ele já não estava mais sozinho, e por isso conseguiu manter-se na superfície e nadar até a margem do rio, que agora já não parecia tão amedrontador.
Agarrado a borda, molhado e machucado, ele sabe que vai sair e seguir caminhando.
Mas e quanto a ela?
Deverá ele apertar o passo para encontrá-la e tornar a segurar a sua mão?
Por certo, seria a atitude mais fácil.
Mas e quando aparecer outro rio?
Se ela cair, conseguirá ele seguir e deixá-la pra trás? Se ele parar para ajudar, não será então atingido pela mágoa de ter sido deixado só?
E se quem cair no rio for ele?
Da primeira vez a escolha de seguir foi dela, mas se ela tornar a fazer isso não terá sido então dele a escolha de passar novamente por isso?
O rio que assusta, atormenta e causa pânico é o mesmo cujas águas têm o poder de purificar, levando para longe o que não está bom.
Um dia, talvez um dia, quando ele estiver seco, ao rio ele agradeça, mas por hora ainda não.
Verão de 2023.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. This category only includes cookies that ensures basic functionalities and security features of the website. These cookies do not store any personal information.
Any cookies that may not be particularly necessary for the website to function and is used specifically to collect user personal data via analytics, ads, other embedded contents are termed as non-necessary cookies. It is mandatory to procure user consent prior to running these cookies on your website.