Uma Mulher de Coragem e Resiliência

Nasceu em um período de grande euforia mundial, onde se usufruía da paz após o fim de uma terrível grande guerra.

Viveu a primeira infância na charmosa Pelotas da década de 50, onde tudo era belo e elegante.

Terceira filha, mais morena que as demais, era chamada de Nega/Negrinha, apelidos que conserva até hoje. Foi até o final da adolescência a caçula, quando então ganhou de presente mais duas irmãs, e viu sua mãe agora mais madura as encher de mimos e carinhos.

A linda burguesinha então se apaixonou pelo plebeu, que não era belo, mas seu charme a encantou.

Boa parte do período de noivado foi por correspondência em razão do seu amado estar a dois Estados de distância, suas viagens para visitá-la pilotando uma lambreta levava dias, mas era cercada de ansiedade e entusiasmo.

Casou na década de 60 e com uma coragem impar, deixou tudo que conhecia para trás e se mudou com seu amor para uma nova cidade, onde tudo era diferente e novo.

Foi na capital catarinense ela virou mãe de uma linda menina. A distância da família cobrou um preço alto, mas o amparo de uma vizinha (que hoje mora no céu) a ajudou e quatro anos depois chegou um menino, seu caçula.

A vida era boa, até que Deus abençoou o casal com uma crise financeira (sim, Deus tem modos estranhos de ajudar a gente) e seu marido a contragosto teve que aceitar que ela fosse trabalhar fora.

Passou em um concurso e começou a trabalhar no Banco do Estado, onde pela seriedade e comprometimento logo se firmou.

A crise passou, mas ela sabidamente não aceitou abandonar o emprego e assim foi até a aposentadoria, decisão que se mostrou acertada nos anos que seguiram.

Mãe zelosa e rígida, foi generosa em aceitar o encargo de educar os filhos sozinha, pois o marido apesar de presente preferia o lado lúdico do convívio, deixando toda a tarefa de colocar limites com ela.

A casa era o seu reino, e ela a Rainha. Meu pai era um homem valente e corajoso, não tinha medo de nada, só dela.

Nunca a vi levantar a voz com ninguém, exceto com os filhos.

Era ela quem dizia onde íamos, quando, a hora de brincar, tomar banho, fazer os deveres. Ela mandava em tudo e em todos, simples assim.

E ai de quem discordasse.

Se lançamento de chinelo fosse uma competição olímpica, ela certamente seria medalha de ouro, nunca a vi errar um único arremesso. Eu tentava diferentes estratégias, correr em zigue-zague, pular, dar cambalhotas, mas nada adiantava. Era bem dolorido, mas extremante divertido quando o alvo era a minha irmã.

A omissão do marido fazia com que os filhos não a compreendessem, mas ela instintivamente se manteve firme na educação.

Sua rigidez me fazia por vezes desejar ser filho das vizinhas, cujos filhos amigos meus não precisavam estudar tanto, podiam faltar as aulas e brincar na rua até mais tarde.

Mas mesmo na rigidez que lhe fora imposta, era carinhosa, e cultivou em mim a devoção Mariana, com palavras e exemplos, e foi em Maria que ela se apegou quando o amado marido se revelou fraco e infiel.

O mundo dela desabou, mas se manteve firme e aos filhos não desamparou.

Os anos se passaram e os filhos, quase ao mesmo tempo a deixaram sozinha e foram escrever suas histórias.

Um novo recomeço, mas para quem tem coragem e resiliência, suportar mais estas ausências foi só mais uma etapa.

Ah quem diga que para ser filho tem que ser pai. Pode ser mesmo. A paternidade me fez vê-la de um jeito diferente, e procurei agir e educar da mesma forma que ela, porem tendo agora que ouvir dela, justo dela, que eu era muito rígido, que não deveria cobrar e exigir tanto. Mas assim como ela fez, persisti, ouvi muitas reclamações, mas hoje sei que fiz um excelente trabalho.

A vida hora nos afasta hora nos aproxima, mas nunca tanto como agora.

A mulher rígida e durona se tornou uma mãe doce e ainda mais zelosa.

E não, eu já não quero mais ser filho de nenhuma vizinha, pois já há muito tempo entendi que Jesus me deu dois presentes sem igual, me deu a mãe dele e a minha. A minha para fazer só por mim o que a mãe dele faz por todos nós.

 

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